Tuesday, March 21, 2006
Tudo Pelo Futebol (ou Any Given Sunday)
Thales
Confesso que nem sei por onde começar, portanto, começo desculpando-me por minha prolongada ausência. Devo admitir que o descenso para a série B foi um duro golpe ao final do ano passado, faltaram-me forças para protestar, romantizar ou ironizar o fato. Mas devo dizer também que não me ausentei dos gramados por conta do ocorrido, permaneci fiel e presente. Só não me senti compelido, até ontem, a falar sobre. Uma atitude, como podem os senhores notar, de corno manso, "eu sei do que aconteceu, não vou terminar por isso, só não quero falar sobre, pode ser?".
Indo ao que interessa.
Cruzeiro e Atlético é, em minha modesta opinião, o maior espetáculo da Terra (e não me canso de repeti-lo). Portanto, como não poderia ser diferente, ontem fui ao Magalhães Pinto.
Não estava particularmente otimista quanto ao resultado da partida, me contentaria com um empate ou uma derrota por um gol de diferença. E não demorou muito para eu intuir que não estava só. O Billy passou aqui em casa 15:15 (péssimo horário para se dirigir ao estádio), então decidimos ir pela Av. Antônio Carlos (local por onde tradicionalmente chega a torcida do Atlético) na esperança de um fluxo menor de veículos. Resultado, 15:40 eu estava dentro do Mineirão. Não pegamos NADA de trânsito, nem um micro-engarrafamento. Comecei a temer pelo pior, que a disparidade das torcidas, observada na fase de classificação, também fosse se repetir nas semi-finais.
Ledo engano, o atleticano é antes de tudo um tarado. Não só já estava presente no estádio em número equivalente, como acreditava piamente na vitória. Eu assisto aos clássicos sozinho, vou com o Billy, mas ele se bandeia para o lado celeste para encontrar seus convivas, eu?, eu não tenho convivas, meus companheiros de Mineirão me abandonaram (se importam com coisas tais como orgulho, dignidade e o valor do dinheiro, eu não ligo pra nada disso, por isso acompanho o Atlético). Daí, uma das minhas diversões antes da pelota rolar é acompanhar os papos dos vizinhos de arquibancada, e ontem, surpreendentemente, todos mostravam-se certos da vitória. E COMO acreditavam. A força vinda das arquibancadas era algo incompatível com a atual situação do clube, plagiando o filósofo Sandor Tomich, "eu vou ao Mineirão só pra ver o Galo entrar em campo", não há como discordar, a primeira vez que o hino é cantado com a equipe no gramado é algo que sempre me deixa arrepiado, minto, arrepio-me antes mesmo do primeiro verso do hino, no momento em que começam as palmas ritmadas. E ontem, curiosamente, o verso entoado com maior ênfase não foi o "vencer, vencer, vencer", mas "lutar, lutar, lutar". Era isso que o atleticano esperava, nada mais que luta e vontade dos onze em branco e preto. E aqui lembro-me dos últimos versos de um poema que meu primo escreveu sobre "ser atleticano":
"Mas como um cego pode torcer, se não enxerga?
Eu vejo com o coração.
Como você vê, cego?
Não, eu não preciso do meu transistor,
eu sei quando é que o Atlético está com a bola.
Mas como, cego?
Explica, cego, que mistério é esse.
Quando o Atlético pega a bola,
eu escuto um barulho tão grande,
que parece o fim do mundo"
E assim foi ontem, uma nação de cegos em branco e preto, vendo com o coração e acreditando no impossível.
E logo no início do jogo o impossível se mostrou, de fato, impossível, quando Francismar abriu o placar para o time da Toca. E para meu espanto, todas as pessoas à minha volta diziam, "vai virar, vai virar", confesso que não entendia aquilo, "vocês não estão vendo o jogo??? estamos perdendo por 1x0 e o time é dominado em campo". Foi quando Tiago Cavalcanti fez boa jogada pela direita e rolou para o tiro certeiro de Rodrigo Dias. 1x1. O sujeito ao meu lado me abraçava e gritava, "sonhei que ia ser 3x1, de virada, DE VIRADA", pronto, taí meu post, pensei, o título já estava na minha cabeça, "Sonhando com o Impossível", e, naquele momento, o impossível se tornou, quando muito, um improvável. Até o momento em que Gil ampliou para o Cruzeiro, troquei de lugar e abominei o cidadão que roubou meu post e me fez acreditar no impossível. O resto da história já é sabida, a expulsão de Bonfim (que num primeiro momento achei injusta, mas depois, vendo pela tv, achei que só um vermelho ficou de bom tamanho, merecia dois pelo carrinho no pescoço) e o gol de empate de Ramón, logo no primeiro minuto da segunda etapa.
A nota negativa pelo lado atleticano ficou por conta da entrevista do goleiro Bruno, no intervalo do jogo. Falar que o juiz é um safado, ladrão, que está prejudicando a equipe, vá lá, coisa rotineira. Júnior Cidade de Deus Baiano já até "insinuou" que um árbitro estava bêbado em campo, mas daí a chamar o cidadão de corno é o fim da goiabada, não misturemos o profissional com o pessoal, a vida sexual do árbitro, bem como sua relação com sua senhora é de interesse único e exclusivo dele.
Após o jogo encontrei-me com o Billy e o Boe em frente ao portão 06 (lado azul). Falamos do jogo (cerveja), discutimos algumas polêmicas (cerveja) e concordamos que o empate foi um resultado justo (mais cerveja). Então, após nos despedirmos do Boe, já no estacionamento, o Billy se vira pra mim e diz:
- E aí, cara, tá pensando em ir pra casa?
- Não sei, por quê?
- Se a gente correr dá pra pegar o segundo tempo de América e Ipatinga no Independência.
- ...
- Anima?
- Claro, meu único medo é os portões estarem fechados e a gente não conseguir entrar.
- Tentemos?
- Tentemos.
E começou a louca corrida rumo ao estádio do Horto. Dois seres completamente alcoolizados e com um único objetivo, assistir o máximo de futebol possível numa tarde de domingo.
Chegamos aos 10 minutos da segunda etapa. Corremos para a bilheteria, não havia bilheteiro. Eu gritava na janelinha esperando ser atendido, no que o Billy se afastou de mim e foi interagir com um grupo de policiais. Fui atrás. Muito gentilmente os policiais nos informaram que era necessário esmurrar o portão verde e argumentar com o cidadão que se encontrava do outro lado do mesmo. E assim foi feito, um sujeito simpático, de óculos, e cara de porteiro de estádio de futebol nos atendeu.
- A gente quer entrar.
- Daqui uns 10 minutos vai abrir.
- A gente quer entrar agora.
- Agora não é possível, os portões ainda não foram abertos.
- Então eu quero comprar um tíquete.
- Não há mais ingressos a venda.
- COMO não há mais ingressos a venda??? - o Billy é muito bom nessas horas - Então você tem que me deixar entrar. Há uma partida de futebol acontecendo aí dentro, eu quero entrar, aparentemente eu preciso de um ingresso para entrar, o senhor me diz que não há mais ingressos, então é de bom tom que o senhor deixe-nos entrar de graça...
- Mas eu não posso.
- Meu senhor, você não tá entendendo, eu não sou americano, e eu QUERO pagar pelo ingresso para assistir uma partida que não é do meu time. O senhor entende meu drama? Percebe a minha dor?
- Sim, mas é o sistema...
Compramos umas cervejas e tentamos assistir o jogo pela fresta do muro, inviável. Desistimos e voltamos ao portão verde, só que desta feita batemos no portão que fica ao lado do primeiro. Uma mocinha nos atendeu. Daí o Billy disse, "você conversa, é uma mulher, suas chances são maiores". De nada adiantaram minhas súplicas sinceras, a menina se mostrou irredutível.
- Caralho, Thales! Você não é o lady's man?
- Desconfio que ela seja lésbica, Billy.
Foi quando o América, que perdia por 2x0, fez o primeiro tento, então o Billy enlouqueceu, respondeu ao grito de gol tal qual um cão pavloviano ao apito. Corria e gritava do lado de fora do estádio, "EU QUERO ENTRAR! EU QUERO ENTRAR!". Dirigiu-se ao portão verde e nem bateu, já foi abrindo e me olhou com aquela cara de "a gente entra correndo e foda-se", expliquei-lhe que passar duas horas depondo numa delegacia não era minha idéia para um final de domingo. Voltamos ao primeiro portão, argumentamos com o cidadão simpático e ele fez um gesto discreto para que entrássemos. Assim que entramos presenciamos um pênalti escandaloso não assinalado em favor do América. Em seguida fomos procurar o Lessa, que tem por hábito sentar atrás do banco de reservas, do outro lado do estádio, enquanto caminhávamos vimos ainda um gol do América ser anulado, bem anulado, diga-se de passagem. (Aqui tenho que abrir um parênteses, é impressionante o número de americanos que vão a campo aos pares, pai e filho, de mãos dadas, não se vê tal coisa nas torcidas de Atlético ou Cruzeiro, e não me refiro a crianças de 7, 8 anos, daí tive a certeza que ser americano é uma coisa transgeracional, como ser carpinteiro, bicheiro ou dono de prostíbulo). Vimos ainda o terceiro gol do Ipatinga e o segundo do América.
Mas isso é de pouca relevância, a graça de ir ao Independência é interagir com os participantes do espetáculo, uma vez que você está há pouco mais de 4 metros do relvado. Nada como ver um torcedor ensandecido gritando para o bandeirinha, "enfia essa bandeira no cu da tua mãe", e ter a convicção plena de que ele foi ouvido. Nessa altura já éramos dois americanos, o Billy corria junto ao bandeira e gritava, "a televisão mostrou que você errou, bandeira, JÁ DEU NA TV".
A torcida estava revoltada com a arbitragem, bem como os jogadores do América, que após o jogo partiram pra cima do juiz. E aí, na nossa frente, deu-se a confusão, o já tradicional enfrentamento entre jogadores e policiais, a cena é hilária, o juiz cercado por 15 policiais, acovardado, incerto da manutenção de sua integridade física, e um sem número de jogadores, massagistas e dirigentes tentando romper o cerco. Devo dizer que ganhei o dia vendo o Euller ser agredido.
No que se refere à arbitragem, pouco posso dizer, pois não acompanhei todo o jogo, vi apenas o pênalti não marcado, mas devo dizer que a revolta americana era uma revolta honesta, doída, o ódio espumante não era pela derrota, mas por como ela se deu. Mas mesmo assim vou dar meu parecer sobre a arbitragem, com base na entrevista emocionada de Wellington Paulo, "eu sou pai de família, trabalho a semana toda", em minha opinião, quando o cara se vira e fala "eu sou pai de família" acabou-se a discussão, mexeram na dignidade do cidadão, "eu sou pai de família" é uma espécie de filho-da-puta às avessas, é o máximo que o sujeito pode dizer em favor de sua honra antes da coisa se tornar física. Você só vê o sujeito falar uma frase dessas em ocasiões muito especiais. Até questiono se Wellington Paulo é, de fato, um bom pai de família, não creio que o seja, mas que ele foi logrado de maneira humilhante, disso não tenho qualquer dúvida.
De resto, tenho somente que agradecer ao Billy pela tarde futebolística de 6 gols, muita emoção e pela certeza de não estar só na mais fúnebre, demente e canhestra das paixões. Deixo aqui meu sincero abraço àqueles que fazem tudo pelo futebol.
Thales
Confesso que nem sei por onde começar, portanto, começo desculpando-me por minha prolongada ausência. Devo admitir que o descenso para a série B foi um duro golpe ao final do ano passado, faltaram-me forças para protestar, romantizar ou ironizar o fato. Mas devo dizer também que não me ausentei dos gramados por conta do ocorrido, permaneci fiel e presente. Só não me senti compelido, até ontem, a falar sobre. Uma atitude, como podem os senhores notar, de corno manso, "eu sei do que aconteceu, não vou terminar por isso, só não quero falar sobre, pode ser?".
Indo ao que interessa.
Cruzeiro e Atlético é, em minha modesta opinião, o maior espetáculo da Terra (e não me canso de repeti-lo). Portanto, como não poderia ser diferente, ontem fui ao Magalhães Pinto.
Não estava particularmente otimista quanto ao resultado da partida, me contentaria com um empate ou uma derrota por um gol de diferença. E não demorou muito para eu intuir que não estava só. O Billy passou aqui em casa 15:15 (péssimo horário para se dirigir ao estádio), então decidimos ir pela Av. Antônio Carlos (local por onde tradicionalmente chega a torcida do Atlético) na esperança de um fluxo menor de veículos. Resultado, 15:40 eu estava dentro do Mineirão. Não pegamos NADA de trânsito, nem um micro-engarrafamento. Comecei a temer pelo pior, que a disparidade das torcidas, observada na fase de classificação, também fosse se repetir nas semi-finais.
Ledo engano, o atleticano é antes de tudo um tarado. Não só já estava presente no estádio em número equivalente, como acreditava piamente na vitória. Eu assisto aos clássicos sozinho, vou com o Billy, mas ele se bandeia para o lado celeste para encontrar seus convivas, eu?, eu não tenho convivas, meus companheiros de Mineirão me abandonaram (se importam com coisas tais como orgulho, dignidade e o valor do dinheiro, eu não ligo pra nada disso, por isso acompanho o Atlético). Daí, uma das minhas diversões antes da pelota rolar é acompanhar os papos dos vizinhos de arquibancada, e ontem, surpreendentemente, todos mostravam-se certos da vitória. E COMO acreditavam. A força vinda das arquibancadas era algo incompatível com a atual situação do clube, plagiando o filósofo Sandor Tomich, "eu vou ao Mineirão só pra ver o Galo entrar em campo", não há como discordar, a primeira vez que o hino é cantado com a equipe no gramado é algo que sempre me deixa arrepiado, minto, arrepio-me antes mesmo do primeiro verso do hino, no momento em que começam as palmas ritmadas. E ontem, curiosamente, o verso entoado com maior ênfase não foi o "vencer, vencer, vencer", mas "lutar, lutar, lutar". Era isso que o atleticano esperava, nada mais que luta e vontade dos onze em branco e preto. E aqui lembro-me dos últimos versos de um poema que meu primo escreveu sobre "ser atleticano":
"Mas como um cego pode torcer, se não enxerga?
Eu vejo com o coração.
Como você vê, cego?
Não, eu não preciso do meu transistor,
eu sei quando é que o Atlético está com a bola.
Mas como, cego?
Explica, cego, que mistério é esse.
Quando o Atlético pega a bola,
eu escuto um barulho tão grande,
que parece o fim do mundo"
E assim foi ontem, uma nação de cegos em branco e preto, vendo com o coração e acreditando no impossível.
E logo no início do jogo o impossível se mostrou, de fato, impossível, quando Francismar abriu o placar para o time da Toca. E para meu espanto, todas as pessoas à minha volta diziam, "vai virar, vai virar", confesso que não entendia aquilo, "vocês não estão vendo o jogo??? estamos perdendo por 1x0 e o time é dominado em campo". Foi quando Tiago Cavalcanti fez boa jogada pela direita e rolou para o tiro certeiro de Rodrigo Dias. 1x1. O sujeito ao meu lado me abraçava e gritava, "sonhei que ia ser 3x1, de virada, DE VIRADA", pronto, taí meu post, pensei, o título já estava na minha cabeça, "Sonhando com o Impossível", e, naquele momento, o impossível se tornou, quando muito, um improvável. Até o momento em que Gil ampliou para o Cruzeiro, troquei de lugar e abominei o cidadão que roubou meu post e me fez acreditar no impossível. O resto da história já é sabida, a expulsão de Bonfim (que num primeiro momento achei injusta, mas depois, vendo pela tv, achei que só um vermelho ficou de bom tamanho, merecia dois pelo carrinho no pescoço) e o gol de empate de Ramón, logo no primeiro minuto da segunda etapa.
A nota negativa pelo lado atleticano ficou por conta da entrevista do goleiro Bruno, no intervalo do jogo. Falar que o juiz é um safado, ladrão, que está prejudicando a equipe, vá lá, coisa rotineira. Júnior Cidade de Deus Baiano já até "insinuou" que um árbitro estava bêbado em campo, mas daí a chamar o cidadão de corno é o fim da goiabada, não misturemos o profissional com o pessoal, a vida sexual do árbitro, bem como sua relação com sua senhora é de interesse único e exclusivo dele.
Após o jogo encontrei-me com o Billy e o Boe em frente ao portão 06 (lado azul). Falamos do jogo (cerveja), discutimos algumas polêmicas (cerveja) e concordamos que o empate foi um resultado justo (mais cerveja). Então, após nos despedirmos do Boe, já no estacionamento, o Billy se vira pra mim e diz:
- E aí, cara, tá pensando em ir pra casa?
- Não sei, por quê?
- Se a gente correr dá pra pegar o segundo tempo de América e Ipatinga no Independência.
- ...
- Anima?
- Claro, meu único medo é os portões estarem fechados e a gente não conseguir entrar.
- Tentemos?
- Tentemos.
E começou a louca corrida rumo ao estádio do Horto. Dois seres completamente alcoolizados e com um único objetivo, assistir o máximo de futebol possível numa tarde de domingo.
Chegamos aos 10 minutos da segunda etapa. Corremos para a bilheteria, não havia bilheteiro. Eu gritava na janelinha esperando ser atendido, no que o Billy se afastou de mim e foi interagir com um grupo de policiais. Fui atrás. Muito gentilmente os policiais nos informaram que era necessário esmurrar o portão verde e argumentar com o cidadão que se encontrava do outro lado do mesmo. E assim foi feito, um sujeito simpático, de óculos, e cara de porteiro de estádio de futebol nos atendeu.
- A gente quer entrar.
- Daqui uns 10 minutos vai abrir.
- A gente quer entrar agora.
- Agora não é possível, os portões ainda não foram abertos.
- Então eu quero comprar um tíquete.
- Não há mais ingressos a venda.
- COMO não há mais ingressos a venda??? - o Billy é muito bom nessas horas - Então você tem que me deixar entrar. Há uma partida de futebol acontecendo aí dentro, eu quero entrar, aparentemente eu preciso de um ingresso para entrar, o senhor me diz que não há mais ingressos, então é de bom tom que o senhor deixe-nos entrar de graça...
- Mas eu não posso.
- Meu senhor, você não tá entendendo, eu não sou americano, e eu QUERO pagar pelo ingresso para assistir uma partida que não é do meu time. O senhor entende meu drama? Percebe a minha dor?
- Sim, mas é o sistema...
Compramos umas cervejas e tentamos assistir o jogo pela fresta do muro, inviável. Desistimos e voltamos ao portão verde, só que desta feita batemos no portão que fica ao lado do primeiro. Uma mocinha nos atendeu. Daí o Billy disse, "você conversa, é uma mulher, suas chances são maiores". De nada adiantaram minhas súplicas sinceras, a menina se mostrou irredutível.
- Caralho, Thales! Você não é o lady's man?
- Desconfio que ela seja lésbica, Billy.
Foi quando o América, que perdia por 2x0, fez o primeiro tento, então o Billy enlouqueceu, respondeu ao grito de gol tal qual um cão pavloviano ao apito. Corria e gritava do lado de fora do estádio, "EU QUERO ENTRAR! EU QUERO ENTRAR!". Dirigiu-se ao portão verde e nem bateu, já foi abrindo e me olhou com aquela cara de "a gente entra correndo e foda-se", expliquei-lhe que passar duas horas depondo numa delegacia não era minha idéia para um final de domingo. Voltamos ao primeiro portão, argumentamos com o cidadão simpático e ele fez um gesto discreto para que entrássemos. Assim que entramos presenciamos um pênalti escandaloso não assinalado em favor do América. Em seguida fomos procurar o Lessa, que tem por hábito sentar atrás do banco de reservas, do outro lado do estádio, enquanto caminhávamos vimos ainda um gol do América ser anulado, bem anulado, diga-se de passagem. (Aqui tenho que abrir um parênteses, é impressionante o número de americanos que vão a campo aos pares, pai e filho, de mãos dadas, não se vê tal coisa nas torcidas de Atlético ou Cruzeiro, e não me refiro a crianças de 7, 8 anos, daí tive a certeza que ser americano é uma coisa transgeracional, como ser carpinteiro, bicheiro ou dono de prostíbulo). Vimos ainda o terceiro gol do Ipatinga e o segundo do América.
Mas isso é de pouca relevância, a graça de ir ao Independência é interagir com os participantes do espetáculo, uma vez que você está há pouco mais de 4 metros do relvado. Nada como ver um torcedor ensandecido gritando para o bandeirinha, "enfia essa bandeira no cu da tua mãe", e ter a convicção plena de que ele foi ouvido. Nessa altura já éramos dois americanos, o Billy corria junto ao bandeira e gritava, "a televisão mostrou que você errou, bandeira, JÁ DEU NA TV".
A torcida estava revoltada com a arbitragem, bem como os jogadores do América, que após o jogo partiram pra cima do juiz. E aí, na nossa frente, deu-se a confusão, o já tradicional enfrentamento entre jogadores e policiais, a cena é hilária, o juiz cercado por 15 policiais, acovardado, incerto da manutenção de sua integridade física, e um sem número de jogadores, massagistas e dirigentes tentando romper o cerco. Devo dizer que ganhei o dia vendo o Euller ser agredido.
No que se refere à arbitragem, pouco posso dizer, pois não acompanhei todo o jogo, vi apenas o pênalti não marcado, mas devo dizer que a revolta americana era uma revolta honesta, doída, o ódio espumante não era pela derrota, mas por como ela se deu. Mas mesmo assim vou dar meu parecer sobre a arbitragem, com base na entrevista emocionada de Wellington Paulo, "eu sou pai de família, trabalho a semana toda", em minha opinião, quando o cara se vira e fala "eu sou pai de família" acabou-se a discussão, mexeram na dignidade do cidadão, "eu sou pai de família" é uma espécie de filho-da-puta às avessas, é o máximo que o sujeito pode dizer em favor de sua honra antes da coisa se tornar física. Você só vê o sujeito falar uma frase dessas em ocasiões muito especiais. Até questiono se Wellington Paulo é, de fato, um bom pai de família, não creio que o seja, mas que ele foi logrado de maneira humilhante, disso não tenho qualquer dúvida.
De resto, tenho somente que agradecer ao Billy pela tarde futebolística de 6 gols, muita emoção e pela certeza de não estar só na mais fúnebre, demente e canhestra das paixões. Deixo aqui meu sincero abraço àqueles que fazem tudo pelo futebol.