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Wednesday, January 23, 2008

Avis Rara
Thales

Desisti. Ia escrever um texto em homenagem ao vigésimo quinto aniversário da morte de Garrincha, mas desisti.

O gênio é eterno e deveria ser lembrado todos os dias. Segundo, nada do que eu garatuje aqui vai superar o que outros já fizeram com muito mais propriedade e talento (quem se interessar que procure crônicas de Nelson Rodrigues ou Armando Nogueira no Google).

Então por quê cargas d’água escrevo?

As homenagens rendidas ao maior camisa 7 da história fizeram-me refletir sobre uma questão tão crônica no futebol moderno quanto o alcoolismo de Garrincha, não, não se trata do meu alcoolismo, mas da extinção do craque-problema.

O futebol foi varrido pelo imperativo do politicamente correto. Ora, nada mais anti-natural que isso. Romanos, o futebol sempre esteve nos domínios do profano (não seria exagero dizer que é coisa do capeta), o futebol só se torna sagrado enquanto consagração do profano. “Não tenha outros Deuses diante de mim”, nos ensina Êxodo 20;3. Mas como não? Eu vi Maradona na Copa de 86. “Fulano não merece vestir o manto sagrado”, como se a camisa do clube fosse as vestimentas do próprio Cristo. Além de pornográfico, ponto defendido por Nelson, é herético e subversivo.

Posto isso, nada mais natural que tenhamos uma ovelha desgarrada ou um filho pródigo que não retorna. A verdade é que nem todos pertencem a Jesus. Há o alcoólatra, o surubeiro, o cheirador, o gay, o infiel, o irresponsável deliqüente, tem pra todos os gostos. Mas tudo isso deve ser relevado em função de uma única variável, se o sujeito é ou não um craque de bola. Se em lampejos mágicos ele faz a alegria de milhões e garante o bicho da moçada, por que levar o homem à cruz? Mas não, a crônica esportiva demanda que o craque seja um modelo de pessoa, diria mesmo, de ser humano.

Mas trago novidades aos levíticos da crônica esportiva, pessoas não pagam pra ver exemplo de conduta, pagam pra ver futebol. Como já diria João Saldanha, "estou procurando jogador pra seleção, não homem pra casar com a minha filha". A continuar assim, vai chegar o dia em que teremos um verdadeiro jogo de cavalheiros, será um jogo tão elegante quanto o tênis, com rede no meio e tudo mais.

(Mas divago).

Craques há aos montes. Mas o craque-problema está em falta. Por exemplo, Carlos Alberto, que recentemente acertou com o São Paulo, um jogador problema, mas não é craque. Temos Kaká, um craque, que não é um problema. Há o Rooney, que ainda precisa se provar, tanto pra ser considerado craque quanto problema. Adriano, Dr. Jekyll e Mr. Hyde, hora craque, hora problema.

O craque-problema é de uma valia inestimável para o futebol. A diferença entre o craque e o craque-problema é apenas uma, o primeiro joga com os pés e a cabeça, o segundo com os pés e o coração. Ele é o louco, o coringa do baralho, o palhaço trágico, o mais querido pelas multidões, justamente porque ele não joga futebol, ele vive o futebol, se entrega e se mata em campo com a mesma volúpia suicida que se entrega aos prazeres mundanos fora dele. É ele quem traz a dimensão do humano para dentro das quatro linhas, quem vê Zidane em ação só pode pensar uma coisa, não é humano, o craque-problema é o sujeito comum, como eu ou você, imperfeito em sua humanidade, alguém que, vez por outra, mata serviço ou vai trabalhar de ressaca, mas que ainda assim é capaz de nos agraciar com o toque do sublime. Deixar esse personagem morrer é como matar a própria alma do futebol.

Abaixo segue a lista de alguns desses personagens folclóricos, aos quais dedico essa singela homenagem. (Linkei alguns vídeos e abstive-me de comentar os mais famosos ou recentes).

Almir - “O Pernambuquinho”, vide post de 26/04/2004.

Cantona - “Eric the King”, como ficou conhecido entre os torcedores do Manchester United, não foi o maior jogador francês de todos os tempos, mas certamente foi o mais polêmico. Tão imprevisível quanto irascível, Cantona teve a carreira marcada por diversas suspensões, a mais notória delas após agredir um torcedor do Crystal Palace em jogo válido pela liga inglesa.

Éder Aleixo - “A Bomba de Vespasiano”, o maior ponta-esquerda que vi jogar. Em minha memória futebolística tenho gols antológicos de Éder gravados na retina. Craque temperamental e de reações tão explosivas quanto seu chute. Protagonista de inúmeras confusões, tanto dentro como fora de campo, sendo a mais célebre na Copa América de 87, na derrota de 4x0 para o Chile.

Edmundo - “O Animal”.

Heleno “Gilda” de Freitas - O primeiro craque-problema do futebol brasileiro. Galã, boêmio e viciado em lança-perfume. O colega Santiago tem um post no forno sobre o ilustre futebolista.

Garrincha - “O Anjo das Pernas Tortas”.

George Best - Maior jogador na história da Irlanda do Norte, e talvez maior ídolo do Manchester United em todos os tempos, “O Quinto Beatle” se tornou famoso não apenas pela exuberância dentro de campo, mas também pelas festas e problemas com o álcool fora dele. “The Belfast Boy” é tido como o primeiro astro pop do futebol mundial.

Joãozinho - Também conhecido como “Moleque da Toca”, ou simplesmente “O Bailarino”. Maior ponta-esquerda que o Mineirão já viu, conta meu primo, atleticano, mais velho e sabido que eu, “o dia que o Joãozinho queria jogar era simplesmente impossível o Cruzeiro perder, logo nos primeiros 5 minutos do clássico eu já sabia se aquela tarde ia dar pra gente ou não”. Ficou marcado pelo jeito irresponsável de jogar e por suas peripécias etílicas fora das quatro linhas. (Trata-se do camisa 10 no vídeo em questão, jogo no qual deu uma assistência, sofreu um pênalti e anotou dois tentos).

Maradona - “El Pibe de Oro”.

Paul Gascoigne - Simplesmente insano. Freqüentador contumaz dos tablóides britânicos, “Gazza” notabilizou-se pelas declarações polêmicas, luta contra o alcoolismo, brigas conjugais e agitada vida social. (O primeiro vídeo é uma justa homenagem ao craque, o segundo uma divertida colagem do eterno personagem) .

Romário - “O Baixinho”.

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