Thursday, September 06, 2012
OBRIGADO, CLARENCE
(Thales)
Devo confessar meu profundo desinteresse em comentar as epopeias ludopédicas do País varonil (só pra constar, epopeia se tornou uma palavra péssima sem acento, quase um palavrão).
Nem a beberragem de Adriano, os truques dos cartolas, a contratação de Ronaldinho Gaúcho, meu reencontro com o estádio do Horto, a Libertadores do Corinthians, tampouco liderança alvinegra no campeonato me animaram a escrever algumas mal traçadas.
Mas ontem fiz as pazes com o futebol, ou melhor, não eu, Seedorf fez por mim. Seedorf não é um homem, é um acontecimento, é um ideal ético e poético do jogo de bola, é uma bandeira, é John Ford e Morgan Freeman na mesma pessoa.
Não apenas deu uma aula de futebol, mas também de liderança. Entrou em campo com a braçadeira de capitão. Logo no início do jogo viu seu time sofrer o revés, com a serenidade dos que já lutaram mil batalhas, foi até o fundo da meta e resgatou a pelota (uma mentira deslavada, mas que lindo não teria sido se ele tivesse aprontado o Didi do Horto).
Ao final da primeira etapa, na posição Del Piero, Fellype Gabriel balança diante de seu marcador e cruza uma bola milimétrica para Clarence Seedorf arrematar de primeira e empatar a partida. Assim que a bola beija a rede, Seedorf não corre para a torcida, não beija o escudo do clube e nem bate no antebraço em desmedida demonstração de raça. Apenas ergue o braço e aponta o dedo indicador para Fellype Gabriel enquanto atravessa o campo em sua direção. Inequívoco sinal de agradecimento e reverência pela assistência recebida, como se Fellype Gabriel tivesse feito o mais difícil, como se Fellype Gabriel tivesse vencido quatro Liga dos Campeões, e não ele, uma verdadeira aula de humildade.
Seedorf, num lance menos memorável, acabou anotando também o segundo gol.
Mas todo seu refinamento técnico e destreza ficam evidentes no terceiro gol, quando ele recebe um passe na intermediária do campo de defesa, faz o giro, percebe o bote de Leandro Guerreiro, dá um tapa preciso na bola com a perna direta, ganha na velocidade e, com a canhota, deixa o rapaz cujo nome ignoro na cara do gol. O menino corre alucinado após o gol, como que se tivesse tido seu primeiro orgasmo. Seedorf vai comemorar com o banco de reservas, um sorriso safado de quem pensa "descabacei mais um", enquanto recebe os abraços dos companheiros.
Penso em Seedorf, humilde, alegre e magnânimo no Botafogo, e não posso deixar de pensar em Cristiano Ronaldo, que sofre, qual Robson Crusoé, em paisagens madrilenhas. E não posso deixar de pensar que não há Balão de Ouro que cure a paixão de si por si mesmo.
Usurpando o nobre botafoguense, "se todos no mundo fosse iguais a você, que maravilha viver".
(Thales)
Devo confessar meu profundo desinteresse em comentar as epopeias ludopédicas do País varonil (só pra constar, epopeia se tornou uma palavra péssima sem acento, quase um palavrão).
Nem a beberragem de Adriano, os truques dos cartolas, a contratação de Ronaldinho Gaúcho, meu reencontro com o estádio do Horto, a Libertadores do Corinthians, tampouco liderança alvinegra no campeonato me animaram a escrever algumas mal traçadas.
Mas ontem fiz as pazes com o futebol, ou melhor, não eu, Seedorf fez por mim. Seedorf não é um homem, é um acontecimento, é um ideal ético e poético do jogo de bola, é uma bandeira, é John Ford e Morgan Freeman na mesma pessoa.
Não apenas deu uma aula de futebol, mas também de liderança. Entrou em campo com a braçadeira de capitão. Logo no início do jogo viu seu time sofrer o revés, com a serenidade dos que já lutaram mil batalhas, foi até o fundo da meta e resgatou a pelota (uma mentira deslavada, mas que lindo não teria sido se ele tivesse aprontado o Didi do Horto).
Ao final da primeira etapa, na posição Del Piero, Fellype Gabriel balança diante de seu marcador e cruza uma bola milimétrica para Clarence Seedorf arrematar de primeira e empatar a partida. Assim que a bola beija a rede, Seedorf não corre para a torcida, não beija o escudo do clube e nem bate no antebraço em desmedida demonstração de raça. Apenas ergue o braço e aponta o dedo indicador para Fellype Gabriel enquanto atravessa o campo em sua direção. Inequívoco sinal de agradecimento e reverência pela assistência recebida, como se Fellype Gabriel tivesse feito o mais difícil, como se Fellype Gabriel tivesse vencido quatro Liga dos Campeões, e não ele, uma verdadeira aula de humildade.
Seedorf, num lance menos memorável, acabou anotando também o segundo gol.
Mas todo seu refinamento técnico e destreza ficam evidentes no terceiro gol, quando ele recebe um passe na intermediária do campo de defesa, faz o giro, percebe o bote de Leandro Guerreiro, dá um tapa preciso na bola com a perna direta, ganha na velocidade e, com a canhota, deixa o rapaz cujo nome ignoro na cara do gol. O menino corre alucinado após o gol, como que se tivesse tido seu primeiro orgasmo. Seedorf vai comemorar com o banco de reservas, um sorriso safado de quem pensa "descabacei mais um", enquanto recebe os abraços dos companheiros.
Penso em Seedorf, humilde, alegre e magnânimo no Botafogo, e não posso deixar de pensar em Cristiano Ronaldo, que sofre, qual Robson Crusoé, em paisagens madrilenhas. E não posso deixar de pensar que não há Balão de Ouro que cure a paixão de si por si mesmo.
Usurpando o nobre botafoguense, "se todos no mundo fosse iguais a você, que maravilha viver".